Damares Alves e o valor do Mídia Training
Relutei em escrever esse artigo, mas do alto de meus quase 30 anos e jornalismo preciso falar sobre a conflituosa relação entre a mídia e os cristãos evangélicos. Sou evangélica há 35 anos e passei quase 26 anos trabalhando em redações de retransmissoras das maiores Redes de Televisão do País.Fui desde repórter à âncora de noticiários de rádio e TV, de produtora à gestora de programas de TV. De todas as experiências, posso dizer com legitimidade que a mídia está longe de tratar o meio evangélico com imparcialidade e, infelizmente, tem razões de sobra para isso. Faço a reflexão a seguir a partir de duas questões: as recentes declarações da futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o valor do Media Training, o treinamento que prepara uma pessoa pública para o relacionamento com a imprensa. Definitivamente os evangélicos, que já representam aproximadamente 50 milhões de brasileiros, precisam entender como funciona a mídia e esta, por sua vez, precisa conhecer mais o meio cristão e evitar generalizações.
O primeiro aspecto a ser considerado é que os exageros nas práticas religiosas, o fanatismo e o apelo exagerado à arrecadação de dinheiro (em muitas denominações) gerou um preconceito que reforça o estigma de desinformação e ingenuidade para com os evangélicos. O que está longe de ser verdade. Inúmeras igrejas são hoje espaços de disseminação de cultura e conhecimento, de convívio social, de discussão de ideias que vão além inclusive da academia. Qual é o público que mais lê no Brasil? Qual é o público que conserva e valoriza o diálogo em casa, as reuniões para leitura e discussão da Bíblia (livro mais lido do mundo), quem entende melhor de Provérbios, Salmos, Eclesiastes e tantos outros livros profundos que mostram a qualquer ser humano como viver nesta dimensão terrestre? Quem pesquisa sabe que boa parte das indagações filosóficas tem origem nos escritos bíblicos. As igrejas estão cheias de intelectuais, de empresários, de formadores de opinião, de trabalhadores, de estudantes, de gente que faz diferença neste país.
Mas a maioria dos evangélicos ao lidar com o público não evangélico se esquece do verso bíblico que diz: a fé para o mundo é loucura (1Cor.1:18). Vem daí tanta repercussão, deboche e resistência quando Damares Alves diz que “teve um encontro com Jesus” aos 10 anos de idade, sentada numa goiabeira, quando pensava em se matar depois de sofrer inúmeros abusos. Entre os cristãos não há nada mais comum que dizer “tive um encontro com Deus”, etc. Essa frase se refere ao momento de conversão, à ação pura do Espírito Santo que é algo inimaginável para quem nunca experimentou. De fato, parece loucura! Assim como pareceu loucura Jesus Cristo curar o cego misturando terra e saliva, mandar o morto de 4 dias- Lázaro- sair andando da tumba, andar sobre as águas com Pedro, perdoar todas aquelas pessoas que pediam sua morte aos pés da cruz. Tudo isso parece loucura, mas é fé e fé não se explica.
Alguns amigos disseram que tiveram a mesma visão de Damares Alves enquanto usavam drogas. Pois eu afirmo que nenhum desses amigos teve a mesma experiência que Damares porque a droga perde o efeito e o encontro com Cristo nos transforma para sempre. É questão de fé. Por outro lado, não há como negar que Damares Alves e muitos outros cristãos que ocupam posições públicas ou de gestão precisam passar por um bom media training ou mídia training. As declarações de fé de Damares Alves foram feitas em momentos de testemunho durante programas cristãos, mas estão na Rede e tudo que postamos ou postam sobre nós se torna público para sempre. Não importa se são declarações do passado. Veja o caso do Ex-diretor da Marvel, James Gunn, demitido por publicar tuites polêmicos oito anos antes da contratação.
O Cristão evangélico precisa entender que uma entrevista profissional tem seus termos e sua lógica. Que ele fala para todos os públicos e não para os seus pares. Uma das lições mais simples do Mídia Training é nãodizer o que o outro não compreende ou vai gerar interpretação duvidosa. É preciso saber o que falar e como falar. Essa é a resposta chave do treinamento de mídia. Confesso que me assustei quando frequentei o Congresso Nacional a trabalho e via Cabo Daciolo orando em línguas no microfone da Tribuna da Câmara. Para quem ele estava falando? Se queria orar pelos congressistas, podia fazê-lo de forma que fosse compreendido e não na confusão de uma sessão parlamentar onde ninguém se ouve e se olha.
Por muitos anos os evangélicos ficaram fechados nos muros das igrejas e enfrentaram todo tipo de discriminação. Desde que essa população começou a crescer e entender a cosmovisão bíblica, o quadro mudou e precisamos usar a voz com sabedoria, até mesmo para não expor indevidamente a fé. Me arrepio cada vez que vejo um político invocando o nome de Deus publicamente porque temo ser mais um para nos envergonhar. Jesus Cristo sim foi um grande político. Soube como ninguém atrair multidões, argumentar sobreo que era justo e injusto, falar e se calar quando convinha. E foi tão íntegro que abriu mão de se defender porque sabia sua missão e seu destino.
Por que não Damares Alves?
Acredito e estou torcendo para que, apesar das “pedaladas verbais”, Damares Alves vai se inspirar nEle porque é uma mulher com trajetória de luta contra a pedofilia, a favor dos direitos humanos e da vida. Precisa apenas alinhar o discurso, entender que as mulheres não cristãs têm valores e visões de mundo diferentes das mulheres cristãs e que ela, enquanto Ministra irá administrar para todas. Muitos podem não gostar de ver uma Pastora no Ministério. Mas porque tanta rejeição se já tivemos ladrões, mentirosos, adúlteros, corruptos, ineptos, apadrinhados e até loucos?
O Mídia Training- Media Training é fundamental para o cristão que chega ao poder depois de atuar no ambiente seguro das relações entre amigos de fé. Aqui fora a dinâmica é outra. Temos que evitar qualquer comportamento ou declaração que possa gerar escândalo ou escárnio. Evitar os jargões de fé, como a palavra convicção– usada pelo Procurador da República, o cristão Deltan Dalagnol, quando apresentou o fatídico slide sobre a possível Rede de Corrupção envolvendo o ex-presidente Lula. O termo convicção na boca de um representante do judiciário foi alvo de memes nas redes sociais e de muita controvérsia. O Cristão gestor precisa medir as palavras durante suas declarações. E cuidar para não transferir publicamente a solução de problemas do cidadão ao Deus que não é conhecido por todos. Isso não significa negar a fé, mas ter respeito e tolerância pelas diferenças e, acima de tudo, agir com sabedoria. Exatamente como fez Jesus fez, quando disse “dai a Cesar o que é de Cesar”.